2013/02/14

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As Crônicas de Charn [Cap. VII]

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Classificação indicativa: não recomendado para menores de 16 anos
As Crônicas de Charn Apocalipse:
— O fim da crença. [Capítulo VII]

A tempestade estava em seu auge. Ao órfão, com os dentes emergidos a sangue, não restava o mínimo de esperança. A cada pingo d’ água que encontrava o chão, o menino fechava seus olhos castanhos e cerrava os dentes, com a intenção de amenizar a dor. O arrependimento liquidava- o. Afinal, fora péssima a decisão de afastar-se das estradas escuras e que o escondiam tão bem. Pela primeira vez em sua jornada desejou, profundamente, encontrar-se naquela cidade que deixara, ou as sobras dela. 

Ainda não satisfeito, o homem corpulento pisoteou, mais algumas vezes, a face do garoto, ao mesmo tempo em que cuspia nos seus olhos. Demonstrando abundante prazer, deu meia volta e, indelicadamente, agarrou a senhora e o recém- nascido que assistiam o triste espetáculo do rapaz e a escapatória do quadrúpede ao seu lado. Ambos foram deixados em uma velha carroça, guiada por duas éguas de expressões demoníacas e perturbadas. O próximo foi Eli. 

Depois de feitas as cerimônias, o indivíduo gordo e forte sentou em frente dos prisioneiros, de tal modo que ouviram estalos, bruscamente semelhantes aos originados na quebra de uma tábua de madeira. Em relinchares, partiram para enfim descobrir o que o perverso destino os reservava. 

O percurso era turbulento. Pedras e mais pedras molhadas, elevações no terreno e pequenas estradas interditadas dificultavam a passagem e conforto dos detidos. O psicológico era tão perturbado quanto: a morte rápida e o tranquilizar de por fim descansar em paz seria, a partir dali, um presente inviável? Garantido, sem dúvida, era a sensação interrupta de perseguição, originada por vultos e corvos, que desfilavam em meio a paisagens endeusadas pelo luar. Eli, inquieto e curioso com a tranquilidade do bebê em pavorosas situações, murmurou — ou começou a murmurar, pois após algumas palavras já tinha o tom de voz brutalmente eminente. — nos ouvidos morenos da mulher em sua dianteira:

— Você... Você não age com cuidado? Não possibilite o sofrimento desta inocente criança. Observe ao seu redor. Sobre a palha rodeada de mosquitos, agulhas velhas e contaminadas, cigarros e drogas. Faça algo! Aja! Você é a responsável por isso! Não deixe ele sofrer! Não deixe! — entonações superiores surgiram ao agarrar com força os braços da sofrida mãe, até então distraída pelos raios ensurdecedores que deslizavam no céu.

— Menino, para que permanecer acesa a chama da esperança? — retrucou então a tal senhora, após beijar a testa do recém-nascido, que se contorcia em suas mãos. — Não há nada a se fazer, seremos prisioneiros eternos da desgraça. Aliás, que presente maravilhoso e magnífico seria a morte, neste momento. Devia ter permitido o assassinarem junto ao pai, como deveria! Mas não há mais voltas; o desespero das terras sanguinárias do Norte nos cumprimenta.


Alguns minutos depois das últimas palavras, perceberam uma movimentação. Subitamente, as éguas frearam e o ruído desagradável da abertura de um portão enferrujado soou. Estavam prestes a entrar, finalmente, na base mais temida e odiada; o local onde os gritos são ignorados; o ponto do desespero; o mundo colorido em vermelho e cinza; a residência das decepções e injustiças; a D.O.P.S.

Milhares de pensamentos dominaram o jovem. Já no meio de um pátio cinzento, sujo, frio e contornado por dois pares de torres, observou em torno. A primeira coisa que notara era a lotação inacreditável. À sua esquerda, homens ajoelhados, imensamente magros e de expressão triste, eram chicoteados severamente enquanto gritavam: “Vida longa à Jadis! Para mim, a fatalidade e calamidade são o pagamento de atos não favoráveis a ela!”. O menino virou os olhos e, em sua direita, havia uma imensa fila, composta por indivíduos nus e que dispunham de sorrisos desvirtuados. Avistando a sombra do primeiro da fileira, reparou que este era mutilado rigidamente e depois, dissimulando a dor, retornava ao fim. Tudo pautado por dolorosos berros que acompanhavam cada movimento, tornando maior a depressão.


Alguns instantes antes de ser ordenado, a insultos e ameaças, levantar-se e descer da carroça, Eli constatou que todos ali presentes desfrutavam de crânios lisos e deformados. O que causava estranheza, entretanto, eram as cicatrizes nestas cabeças reluzentes; cicatrizes aparentemente propositais. Estas possuíam o formato das quatro letras da palavra “D.O.P.S”, seguidas por um número.




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NOTA: A história tem como base a crônica "The Magician's Nephew" do escritor C.S.Lewis; nesta, o mundo Charn é citado.

Idealizado por Rodrigo Carvalho;
Escrito por Luis Henrique;


Enfim todos poderão ter "As Crônicas de Charn: Apocalipse" em mãos. Próximo ao término das postagens de capítulos aqui, no Skandar Keynes BR, será publicado o livro desta renomada história. Aguardem novidades.


Todos os direitos reservados: Luis Henrique e Rodrigo Carvalho.
Qualquer tentativa de plágio do conteúdo, acarretará a rigorosas punições aos valores autorais.

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